A cigarra, a formiga e eu
Chegou o inverno e a cigarra estava passando frio, fome e estava sem cigarros, em qualquer das acepções. E a formiga, cuzona, pensava que vai votar no Maluf para que ele faça uma nova e moderna estrada até o formigueiro. Então a cigarra conheceu outra formiga, uma formiga de esquerda, uma formiga que gostava de andar entre cigarras artistas e que era meio insolente. A formiga insolente também estava sem cigarros, entenda como quiser. Essa formiga insolente tinha tentado ganhar a vida causando formigações no estômago de gente apaixonada, mas não tinha funcionado (borboletas haviam ganhado o posto - malditos yankees!). Mas a cigarra chamou a formiga insolente para ser sua produtora e agora elas estão tentando marcar uma turnê muito louca. E quando isso acontecer, e a cigarra ficar muito famosa, a formiga vai morrer de inveja.
..::Modo de Usar
Não me pergunte, não me responda.
quarta-feira, julho 21
quinta-feira, junho 10
Aula de culinária
A vida não tem uma receita exata. Como os livros que indicam "farinha que baste", "pimenta a gosto", "deixe no fogo até ficar no ponto", há também os conselhos de "ouça seu coração", "siga sua intuição" ou "escolha o aparelho que for mais adequado para você". Mas essa é a graça de cozinhar ou viver.
Trocando receitas culinárias nos últimos dias, eu me lembrei de uma história, que me assustou muito quando eu era criança. Eu a li numa antologia de contos latino-americanos de terror. Uma moça casa, mas não sabe cozinhar. Então ela pede pra um vizinha ensiná-la a fazer sopa pro marido. Só que a vizinha quer puni-la, acho que justamente porque a recém-casada era preguiçosa e nunca aprendeu a cozinhar. E dá a seguinte receita: água, sal e colorau. E tripas de um defunto fresco. Defunto fresco, no caso, que morreu há pouco tempo. Sem julgamentos sobre a índole do defunto.
A moça acredita e vai até o cemitério (claro). Prepara a sopa como a vizinha ensinou, o marido toma e adora (claro). E no meio da noite, o defunto destripado vai tirar satisfações (claro). De alguma forma, eu fiquei com muito medo.
Portanto, uma pequena dica: nenhum prato justifica uma visita ao cemitério para buscar ingredientes.
sábado, maio 29
Sem título
Eu sou filha da deusa da frugalidade com o deus da luxúria. Eu sou uma improbabilidade. Foi apenas um encontro, resultado da aposta acerca do comportamento de um homem, sobre a qual não sei muitos detalhes. Dias úteis, eu ficava na casa de minha mãe, dias santos, na casa de meu pai. Filha de deus e deusa, sou deusa também. Mas não sabia deusa de quê. Minha mãe nunca foi de falar muito. Meu pai tem por hábito gritar obscenidades para as empregadas. Então, eu nunca ganhei um nome.
A princípio, o convívio em mim de duas naturezas tão diferentes criou um pequeno caos. Eu comia com volúpia tudo o que me aparecia pela frente - afortunadamente, os homens costumam oferecer sacrifícios generosos mesmo a deusas apócrifas. E, não satisfeita, eu matava bois e cabras na calada da noite, e devorava-os com pressa e com paixão. Findos meus rituais, a repulsa era tão grande que eu forçava o vômito. Ou nem precisava forçá-lo: minha consciência levava à náusea. Passava dias expiando a culpa de algumas horas. Após uma noite de especial apetite, e enjôo proporcional, eu vomitei a constelação de Carneiro. E tive, pela primeira vez, ressaca da ressaca. Seria essa minha sorte, virar madrinha de modelos e princesas entediadas?
Voltei para a casa de minha mãe. Mamãe é moderada e se exasperava comigo: eu estava me tornando excessivamente moderada, um paradoxo que ela sequer conseguia pronunciar. O que foi bom e me fez ir embora. No dia seguinte, embebedei meu pai e me deitei com ele. Saí, eu também ainda embriagada, antes que ele acordasse e comecei minha jornada. Envolvi-me com deuses e mulheres, viciei-me em tudo que é passível de viciar e ainda descobri uma meia dúzia de novos vícios. Apaixonei-me, entorpeci-me, arranquei os cabelos, limpei casas meticulosa e repetidamente, colecionei objetos e dores de cabeça, sem qualquer resquício de remorso ou prazer. Destruí lares e corrompi jovens. Por fim, criei a obsessão pela compulsão. Foram anos loucos e sem algum significado em especial, mas mesmo os deuses temos de fazer nossa viagem ao inferno para chegar a algum lugar, ou a lugar algum.
E então pude exercer em sua plenitude meu destino. Fui deixando, um a um, meus hábitos - inspirando um ou outro grupo de qualquer-coisa anônimos. Seria irônico, porque eu fui a mais anônima deles, a deusa sem nome. Mas renunciei à ironia também. E agora eu tenho um nome. Sou a deusa do não, um não que não vem de influências externas ou da força de vontade, mas por, e apenas por, perversão. Agora mesmo, sinto a necessidade de um cigarro entre meus dedos, só um trago, e esse sofrimento é meu deleite. Não como e minha vigília já dura séculos. Para orgulho e desgosto de meus pais, vivo a mais pura das fantasias, a da castidade, e o mais imponente dos vícios, o na abstinência.
segunda-feira, maio 24
Antes do começo
E então você abre um álbum de retratos e descobre, não sem certa surpresa, que aquelas pessoas existiam antes de você conhecê-las. Porque há o tempo dos amantes, que é diferente. Os amantes dizem que o tempo só começa a contar no momento em que se conheceram. Um ponto zero, antes do quê tudo é uma pré-história sem importância. E, de certa forma, o modelo se repete mesmo quando não se trata de amantes. E então você abre um álbum de retratos e descobre, não sem certa surpresa, que aquelas pessoas existiam antes de você conhecê-las. E não é só o álbum. Os amigos do seu amor ainda comentam, rindo, lembram de detalhes daquela festa. E você se sente traído por aquela pessoa que dizia que a vida só começou quando conheceu você. "Como assim, por que ninguém me convidou para essa festa?!"
***
Há um conto do Borges que se chama "Funes, o Memorioso". Fala sobre o tal Funes, que é incapaz de esquecer o que quer que seja. Por exemplo, se ele lia um livro, ele podia se lembrar do livro inteiro mesmo muito tempo depois. Agora imagine que, lembrar de tudo não, seria um exagero, mas imagine que você fosse capaz de lembrar de todos os rostos que você já viu na vida. Existem pessoas que são melhores fisionomistas que outras, mas ninguém é capaz de lembrar de todos os rostos que já viu. Aqueles passando na rua, no ônibus, na fila, em fotos. Daí você poderia, ao ver aquele ator muito famoso, lembrar que já tinha estado no mesmo restaurante que ele, e ele estava comendo macarrão. Ou se dar conta, de repente, que aquele seu grande amor, você já o tinha visto, na televisão, ele estava passando enquanto o repórter comentava o recorde de trânsito. E você se dá conta que mudou de canal na hora.
sábado, maio 22
Vivendo e aprendendo a jogar
Jogos têm sido um assunto constante nos últimos dias. Intermináveis partidas de carteado (Ninguém sai!), gamão, relatos sobre a Festa do Peão de Tabuleiro, os mistérios que esconde o xadrez chinês. Aparentemente, não se fala em outra coisa (na minha presença) - exceto, é claro, pelas fotos de tortura aos iraquianos e a Playboy da Juliana Paes (que poderiam ser metaforizados em termos de jogos, como sempre. Mas vou me poupar disso).
Mas eu não acho que a vida seja um jogo. Pelo contrário. Os jogos de tabuleiro são o último refúgio para um tipo de raciocínio matemático, cartesiano e, conseqüentemente, em vias de se tornar anacrônico. Vocês sabem do que eu estou falando: revolução digital, mudança de paradigma, era de aquário, essas coisas... Nós, os velhos, que ainda temos apêndice e resquícios dessa inteligência linear, nos dedicamos aos jogos de tabuleiro como nossos ancestrais exercitavam a cauda mesmo quando não havia mais necessidade de subir em árvores (se é que eles faziam isso).
Eu, porém, sempre torço pro computador contra o Kasparov.
segunda-feira, setembro 29
Gênero
Você é homem ou é mulher? Nunca se debateu tanto o que representa carregar um cromossomo x ou y, em seriados, novelas, telejornais, artigos escritos. Mulheres dizem querer manter as conquistas do movimento feminista (ainda que, por vezes, não admitam o crédito dessas conquistas), mas recuperar uma determinada "feminilidade" perdida. Homens bem intencionados (isso é a maior novidade) dizem a mesma coisa e assinam declarações que alforriam a mulher dos padrões de beleza. Todos concordam que as mulheres assimilaram vícios masculinos na busca pela igualdade - perderam a pureza, poderia-se dizer.
Eu já confessei que não me considero mulher o suficiente - ainda que fêmea, como frisou meu amigo. Então eu normalmente deixo de lado essas bobagens sobre gêneros. Porém essa nova leva me preocupa, porque me parece uma reação conservadora, ainda que bem disfarçada. Pode ser paranóia minha (as mulheres são paranóicas, não é?), mas quando eu vejo um homem reclamar que as mulheres não querem mais relacionamentos sérios, meu cérebro substitui por um "Voltem a ser românticas. Voltem a querer casar conosco e ter nossos filhos. Voltem para casa, mas não esperem acordadas que vamos ficar um pouco mais no bar".
Porque no mundo real, eu não vejo tantos homens "perdidos", "procurando sua identidade". Não estou dizendo que todos os homens são canalhas, mas que não acredito nessa onda romântica masculina. Os homens continuam agindo como sempre, se apaixonando eventualmente, mas sem fazer disso uma obsessão. As mulheres, aos poucos, parecem também entender que não é porque a noite foi ótima que aquele é o homem da vida dela - praticando um pouco do vício masculino da promiscuidade.
O que me intriga é que, se é assim, deveríamos estar todos felizes, não? Não. Alguns deles andam sentindo falta de fugir das garotas insistentes. Eu não entendo, mas também não tenho nada a ver com isso, e vou parar por aqui.
terça-feira, setembro 16
Comunicado à praça
Enquanto este canto fica largado às traças, a B*Scene vai de vento em popa. Agora, em nova casa, www.nemo.com.br/bscene. Vamos lá. Eu já volto aqui. Prometo.